Há muitos elefantes na literatura infantil. Nenhum deles é como este. Mas ele é como todos nós, pois toca naquilo que temos de mais humano: a necessidade de nos reinventarmos, todos os dias.
O elefante, de autoria do poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade, faz parte de um dos livros mais expressivos não só da carreira do autor, mas da poesia brasileira, A Rosa do Povo (1945), consagrado como uma das obras de cunho político-social mais importantes do país, marco do conturbado período da Segunda Guerra Mundial. O poema é um convite para um mundo mais poético e menos descrente.
Inédito como livro isolado e também em edição dirigida às crianças, o poema ganha múltiplas interpretações e possibilidades de leitura, graças à narrativa visual sensível e minuciosa da ilustradora argentina Raquel Cané. Apesar de não ter sido escrito de antemão para o público infantil, o texto dialoga com as crianças a partir das associações criadas entre o texto e as imagens.
Nas ilustrações, objetos, paisagens e pessoas do cotidiano se transformam em elefantes, brincando com o universo simbólico do leitor e convidando-o a ampliar sua capacidade de ressignificação, típica do exercício poético. A poesia como resposta à descrença na humanidade
A narrativa do poema acompanha o nascimento de um elefante, “de passo desastrado, mas faminto e tocante”. Feito tanto de pedaços de móveis velhos quanto do mais puro algodão, o surgimento do bicho é metáfora da construção do indivíduo, e da dificuldade de nos reconhecermos como sujeitos no mundo.
Doce e resistente, o elefante deste livro é um convite para resgatar a esperança na verdade do ser humano e do mundo. Se duvidar, basta encarar os olhos do bicho, “alheios a toda fraude”.
Como trabalhar Drummond na sala de aula? Indicado para leitores a partir dos seis anos, o texto tem forte potencial pedagógico, não só por apresentar um dos maiores poetas brasileiros às crianças a partir de um livro ilustrado, mas também ao suscitar questões como identidade, alteridade, pertencimento, empatia e o valor da amizade. Como diz Drummond, este elefante está pronto para sair por aí e fazer amigos, mesmo em um mundo desacreditado, que desconfia dos bichos e já não crê nas coisas.
A obra traz uma cartilha pedagógica para trabalhar na escola. No final do livro, o leitor é presenteado com a possibilidade de ampliar o vocabulário: um glossário apresenta os significados de palavras utilizadas por Drummond que podem ser estranhas ao universo da criança, como os verbos “enfastiar” e “enovelar”, além de termos empregados no poemas com sentidos diversos, como “engenho”, “talhe” e “alvo”.
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